segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Fim de Ano

Tem vezes que a arte como revolta não funciona. Tem vezes que só explodir tudo resolve. Sem conceito, sem intenção artística.

Feliz 2010.

Pedro Gutierres

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Ainda Ando

só lamentos
deixei pelo caminho;

lamentos d'outros
tempos

em que andei sozinho,

andei sorrindo,

disfarçando o
choro
que andava engolido;

andei indo

e andei sempre
voltando;

ainda ando,
dum andar queu
inda amo;

andei assim d'andar
errado, andei
andando

- acuado,

lamentando eu fui
seguindo...

andei errando SIM,

mas andando

- eu segui indo.



(Guilherme Meyer)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O MITO DO MAESTRO

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Toda época inventa heróis. O guerreiro, o amante e o santo mártir fascinaram as mentes medievais. Os românticos cultuaram o poeta e o explorador; revoluções industriais e políticas instalaram o cientista e o reformador social num pedestal. O advento dos meios de comunicação de massa permitiu a fabricação de ídolos sob medida para diferentes grupos de consumidores: cantores de música popular para adolescentes, deusas de cinema para os perdidos de amor, personagens inconsistentes de telenovela para os telemaníacos, campeões do esporte para os mais energéticos, terroristas seqüestradores de avião para os oprimidos do mundo, filósofos pop para as classes tagarelas.
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Heróis funcionam como uma válvula de segurança na panela de pressão social. Permitem a baixotes de óculos identificarem-se com Silvester Stallone em vez de dar um soco no chefe, e a mocinhas recatadas evadirem de sua castidade devaneando a sexualidade ostensiva de Marilyn Monroe e Madonna. Esses sonhos são desvinculados de qualquer realidade concreta. O pôster com o retrato do líder guerrilheiro sul-americano Che Guevara, outrora ubíquo nos quartos, não significava revolução juvenil incipiente nos subúrbios de classe média. Como força política, Guevara era uma fonte de irritação secundária para regimes distantes. Como ícone, contudo, dava vazão às frustrações e anseios de jovens afluentes do mundo ocidental decadente.
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Esses heróis populares são literalmente míticos, carecendo de substância ou sendo inteiramente fictícios. Os deuses culturais não são diferentes. Andy Warhol e Jeff Koons demonstraram que um artista não precisa ser propriamente original para ser celebrado; o nome de Karlheinz Stockhausen é conhecido por amantes da música que jamais ouviram uma nota por ele composta. A fama desses homens reside menos em algo que tenham inventado do que no mito que representam.


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(Norman Lebrecht, Igor Symanski e Blisset)

A Cama Quebrada

A cama, que deitávamos
juntos confortavelmente,
parece cada vez menor
e a cada noite
mostra-se imperfeita para nós.

Agora ela quebrou.
Não nos suportou.
Pequena e fraca
para nós dois.

Vamos pegar o colchão,
Tirar da cama
e jogá-lo no chão.

Agora nada vai quebrar.
Tudo vai se ajeitar.

Será que dormiremos
bem como dormíamos?

Onde está nosso bom sono
de antigamente?

O espaço do colchão
não dá mais conta de nós dois?

Ou nós dois não estamos mais
dando conta de nós mesmos?

Semana que vem compraremos
uma bela cama nova
e o nosso sono voltará a ser
como antigamente.

Cama nova
Vida nova

Fim dos roncos;
dos estalos da madeira;
e dos riscos de quebrar.

Tudo ficará perfeito.
Mal posso esperar.

(Érico Alencastro)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Leila

Acordei e ela estava morta. Não na minha frente, mas no jornal ao pé da porta.
A musa da minha infância que eu em tantas noites tive em sonho comigo, bela,
linda, um pedaço puro do céu em corpo e rosto de mulher. Morta, suicidada.
Um baque; confesso que desesperei um pouco. Já há quanto tempo não me
recordava nem do teu nome? Há quanto já não via uma foto sequer do teu rosto
de anjo? Parece que essa morte já há muito tempo se anunciava em mim, eu,
que havia esquecido de lembrar de ti. Já tinha lá seus 50 anos, mas afirmava que
esses eram 40. Uma carreira que há muito vinha em declínio, e que de atriz
meiga de novela já havia descambado pra sem-vergonha do mundo pornô; digo
isso sem maiores julgamentos além de um coração partido - o meu. Se matou
trancada no quarto, comendo comida envenenada. Já havia, parece, ter feito dada
cirurgia para retirada do útero; se ainda viva, não poderia nem mais ter filho.
Ah! Leila, que foi que fizeram contigo? Vejo tua foto, em floripa, e teu sorriso é
melancólico, teu semblante - desistido. Que foi que fizeram contigo? Garanto que
na época de Rei do Gado e Playboy a solidão não existia, nem a angústia, nem
o desespero. É falsa essa vida Leila, e é cruel e mentirosa. Queria ter te visto
ainda que já morta, acariciar teus cabelos negros mortos e te dizer que tudo está
bem, mesmo não estando. Queria que eu pudesse ter te salvado, ou ter te dito
alguma palavra que te fizesse pensar em tudo mais uma vez. Ah! Leila, que vida
essa mais vagabunda! Vida salafrária, ordinária, que até sonho tira...Vai com Deus
minha amada, e encontra na morte o que perdestes na vida; a paz do teu sorriso
que eu sonhei quando criança demente, a doçura da tua boca - que eu só sonhei
que provava; o teu amor que eu dizia ser meu e o meu amor que eu não pude te dar.

(Guilherme Meyer)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Demasiado humano

a maldição
da
consciência:

eu penso,
eu sinto,
eu sofro;

e eu sei
que um dia
morro.



(Guilherme Meyer)

domingo, 29 de novembro de 2009

Aguardo

eu espero pra ver
o que vai ser

daquelas ruas à noite
e de todas as andanças
por elas madrugada a dentro;

de todos aqueles postos
de gasolina,

das garrafas enfileiradas,
vazias,
sem mais nada;

pra ver o que
vai ser
de toda a chuva
que caiu,

do ônibus que corta
a 3ª perimetral
a mais de 80 por hora,

do maço de cigarros
que eu acabei mesmo assim
comprando;

vai ser o que
daquela vez
que eu quis te ver?

dos túneis, das pistas,
dos muros, dos prédios,
dos murros, do tédio,

de tudo que é sério;

eu espero pra ver
o que é que
vai ficar,
o que é que vai ser
se eu não souber segurar.



(Guilherme Meyer)